segunda-feira, 30 de abril de 2012

The Hunger Games (Jogos Vorazes)

The Hunger Games, na boa, Y U existe?

Sobre o roteiro: É a pior coisa do filme. Não que seja a única coisa ruim. Mas o roteiro é de longe a pior coisa do filme.

Primeiramente, a temática passa longe de ser original. A idéia do filme é simplesmente pegar um monte de crianças e adolescentes dentro de uma arena com a ordem de se matarem. No final, só pode haver um vencedor, cujo prêmio principal é continuar vivo. Alguém aí lembrou de Highlander? Então perdoem-me citar este clássico perto desse filme revoltante, mas é um exemplo de onde uma idéia levemente semelhante já foi usada. De forma muito mais semelhante, temos um outro filme bem ruim, The Running Man, estrelado pelo "ótimo" Arnold Schwarzennegger, baseado no livro do venerado (pelo menos por mim) Stephen King. Neste, a trama já não é genial, mas pelo menos aborda uma série de questões interessantes. O diretor (ainda falando de The Running Man) erra feio ao focar nas cenas de ação quando tinha um roteiro que abria caminho para muita coisa inteligente, e passa a usar recursos que hoje causam vergonha alheia, mas que serviram para fazer um produto que agradasse ao público de sua época, 25 anos atrás. Depois disso, vieram vários outros filmes com um roteiro principal bem semelhante a essa idéia. Até no antigo desenho animado X-Men (que passava nas manhãs globais) uma pequena saga envolveu a mesma premissa. Então, o problema não está em reciclar algo que já não era bom quando era original. Está mesmo é no seguinte: Este roteiro é sacado, então ele precisa servir como um meio para explorar uma outra linha de pensamento. Mas o filme não faz isso, e torna o que era para ser um meio em um fim.

Já vou avisando que vou contar o filme inteiro, mas o maior spoiler que posso dar do filme é: Não assistam este filme de jeito nenhum! Definitivamente não vale o custo da energia elétrica para ser exibido. Mas vamos lá:

Depois de uma guerra civil, 12 distritos de uma nação (que o filme não esclarece em momento algum qual é) perdem, e como forma de subjugar, a Capital decide punir os distritos com um "jogo", os "Jogos Vorazes". Cada distrito terá um menino e uma menina, entre 12 e 18 anos, sorteados para representá-los nos jogos, onde o objetivo é que eles se degladiem até à morte. E os distritos aceitam. Não tem rebelião, revolução, desobediência civil, nada. Simplesmente acatam a idéia, com um leve ar de chateação, como se fosse um pequeno aumento nas tarifas de ônibus. Parece que ninguém realmente assimila a idéia de que um governo que sistematicamente promove o extermínio bárbaro de 23 jovens cidadãos seus todo ano (e o filme mostra apenas a 74ª edição) como um espetáculo de TV louvável e adorado pela população. Por si só a idéia já é doentia e nojenta, mas o roteiro vai além...

Aí o roteiro não decide se participar do torneio é motivo de apavoramento e desespero total diante da morte certa que só pode ser evitada através do assassinato frio de outras pessoas inocentes na mesma situação, ou se é um orgulho ser um herói que vai vencer esta honrosa (?!) batalha. E cada personagem passa a ser tratado como um novo "Big Brother". Todos viram celebridades, ao mesmo tempo que todos sabem que praticamente todos vão morrer. E o povo é conivente, acha legal, e tudo mais, reforço. Então, nossos heróis, depois de muita enrolação e muita cena ridiculamente clichê, finalmente entra em campo. Depois de várias coisas que todo mundo já sabe que vai acontecer antes de entrar no cinema, que serão abordadas a seguir, o filme simplesmente acaba. Fica o filme inteiro aquela sensação de que "no final eles vão explicar", mas... não. Só acaba. O que não acaba é a vontade de tocar fogo no cinema.

O que este filme tem de especial? O filme tem um roteiro desgraçadamente ruim, mas poderia salvá-lo se ele fosse um meio de explorar outros assuntos. Ao invés disso, a rinha infanto-juvenil é o objetivo do filme. Os temas interessantes que porventura tiveram alguma alusão durante a exibição não tem consistência na abordagem. Por exemplo, aquela coisa de Orwell em 1984, ou da relação de autoridade e autoritarismo, ou da tensão política, do poder da força e da manipulação social, ou um monte de outras coisas realmente interessantes, que poderiam ser exploradas com um roteiro bem melhor, mas já que tem que ser isso aí, que faça algo aproveitável, né?! Nada... E com isso, o filme passa para a condição de irresponsável, pois colocar toda essa situação como aceitável, para milhões de jovens com personalidade e valores em formação, é complicado. Claro, não sou do tipo que acredita que jogar GTA vai fazer mal a personalidade de alguém, mas o que o filme propõe, e da forma que propõe, mostra argumentos que quase legitimam essa prática. Ao invés de provocar repulsa, quase faz o público querer participar dos jogos, ou fazer seus próprios. Um filme leviano e perigoso pelas proporções da produção e alcance.

Mas ainda tem os aspectos técnicos pra terminar de quebrar a bicicleta. Vou só citar algumas cenas e recursos usados, aleatoriamente, porque prefiro não ficar me lembrando destes momentos de tortura intelectual. Começo com os desfiles dos concorrentes, que entram recebidos com honras presidenciais, e não como condenados à morte.  Depois todos são entrevistados como se fosse um concurso de Miss, contando casos, fazendo piadas, no maior clima de bom humor. Aí temos uma revelação sacadíssima que o garoto que foi representar o mesmo distrito da protagonista se diz desafortunado por estar apaixonado pela garota que o acompanhará no "torneio". Cria-se aquele clima de tensão igualmente sacado e "bora pro açougue". Cabe citar aqui que os personagens principais foram orientados por um ex-participante que venceu uma das edições anteriores. Mas parece que só eles receberam dicas, pois só eles parecem agir com alguma inteligência e estratégia, enquanto os demais seguem se exterminando como moscas. Umas matanças aqui, outras ali, tudo muito subentendido, nada mostrado, e algumas coisas começam a testar ainda mais a inteligência do espectador. Antes do torneio, um bando de esfomeados que viveram a vida inteira na miséria parecem estar sem fome num banquete onde podem comer tudo o que quiserem do bom e do melhor. Mas depois de alguns minutos, já estão matando répteis para comer... estranho... E o mais brilhante vem a seguir: Alguns concorrentes simplesmente se unem, e saem matando em equipe. É divertido pensar na possibilidade de pessoas que vão se matar ajudarem umas as outras a matarem outros, para apressar o momento em que fatalmente um terá que trair o outro. E durante a matança, eles saem rindo, tipo "Ah, que bonitinho ela implorando para não matarmos ela... é claro que eu ia matar, eu adoro matar crianças indefesas desesperadas..." e mais uma vez (pela 12ª ou 13ª vez) bateu aquela fortessíssima vontade de ir embora. Mas tá no inferno... tem também a interessante cena em que a protagonista quer provocar a queda de uma caixa de "super-moscas geneticamente alteradas que possuem um veneno que causa dores insuportáveis, alucinações e até a morte". Sim, eles param o filme pra explicar isso. Até faz sentido, porque pra alguém gostar desse filme, tem que ter uma inteligência limitada demais para perceber isso sem explicação, o que as moscas fazem no filme não deve ser suficiente... E tem mais: Criaturas e situações criadas por designers gráficos de improviso que aparecem na arena causando danos reais, o remédio milagroso que cura qualquer ferida e chega de pára-quedas, o cara que fica de guarda, e quando falha na missão de guardar os itens, o líder (?) do grupo (?!?!?) fica bravo e quebra o pescoço dele com a naturalidade de quem está dando uma bronca em um subordinado, entre outras coisas que não permitem uma reação diferente de "oh, god... why?". Sem falar nas maravilhosas cenas como a da lança que é atirada à queima-roupa na personagem principal, que desvia e imediatamente saca uma flecha, prepara o arco, aponta e dispara certeiro, tudo numa fração de segundo. Então, uma menininha fofinha e lindinha é atingida em cheio pela lança, tira ela do peito, vê o sangue, olha pra amiga, e cai no chão. Faz um discurso de "você tem que vencer", deixa rolar uma lágrima, e morre de olhos abertos. Sua nova amiga (?!) então fecha-lhe os olhos e grita de tristeza e desespero, fazendo cara de "agora a coisa ficou séria". Sequência mais clichê e patética, impossível. Nem Stephanie Meyer seria capaz disso. Em algum momento, não lembro da sequência, rola uma cena em que o garoto coadjuvante está ferido e precisando de cuidados especiais, e rola um clima romântico forçado para ganhar audiência, que ofende mais uma vez o bom senso. Enfim, muito, muito, muito lixo que eu nem me lembro ou nem quero mais citar acontece, e depois de uma regra de última hora, onde há a possibilidade de haverem 2 vencedores, desde que sejam do mesmo distrito (adivinha quem são?) ser revogada, a menina "genialmente" tem a idéia de forçar um "Romeu & Julieta" para que a produção intervenha e declare que de fato ambos venceram. Feito isso, o filme acaba. É só isso. Aí uma entrevistinha barata na TV, umas caras frustradas aqui e ali, e acaba. Sem discurso, sem explicação, sem mudanças... ano que vem tem mais, ou coisa parecida. Tenho muito medo do que virá nas continuações dessa coisa hedionda...

Mas vamos aos aspectos técnicos: O elenco tem atores ótimos, bons, razoáveis, ruins e péssimos. Mas o papel de ninguém ajuda. Woody Harrelson vive alternando entre filmes bons e ruins, mas seus filmes não recebem avaliação baseada em sua performance, que é fraca. Nesse filme, seu papel é mais ou menos da importância que lhe é peculiar. Elizabeth Banks tem um papel ridículo além da média do filme, o que torna difícil saber quanto disso é culpa dela. Lenny Kravitz como ator é uma idéia tão ruim quanto sua atuação. Stanley Tucci também fica com um papel ingrato como apresentador de TV do programa, mas demonstra não ser tão mal profissional. Josh Hutcherson não é um bom ator, e sua atuação é péssima. Agora o senhor Donald Sutherland deve estar muito necessitado de dinheiro pra entrar nesse atentado fazendo um dos personagens mais "não seja tão mal construído" que eu já vi. E principalmente, Jennifer Lawrence, Y U foi associar para sempre a sua imagem a esta vergonhosa franquia? Uma excelente atriz, que teve uma brilhantíssima e inesquecível atuação em Winter's Bone (inclusive lhe rendendo uma indicação ao Oscar) e uma tão boa quanto em X-Men First Class. Se queimou feio ao arriscar entrar nessa. Feio.

Quanto a efeitos especiais, trilha sonora, fotografia, e essas coisas todas, pelo menos nisso o filme se sai bem. Mas não adianta ter toda uma preparação e investimento para algo tenebrosamente lamentável. Filme ruim de doer o estômago. Um caminhão de dinheiro investido em produzir o mesmo que já corre pelos esgotos das grandes cidades.

Quando e com quem assistir a esse filme? Quando o Atlético-MG ganhar a Libertadores em cima do Corinthians e o Mundial em cima do Real Madrid de Messi e Romário. Antes que isso aconteça, não veja o filme. Nunca. Nunca mesmo. É o pior filme que já vi. Ouso dizer que conseguiu ser pior que Twilight. Sério.

Ficha técnica

Elenco: Jennifer Lawrence - Katniss Everdeen
Josh Hutcherson - Peeta Mellark
Woody Harrelson - Haymitch Abernaty
Elizabeth Banks - Effie Trinket
Lenny Kravitz - Cinna
Donald Sutherland - Presidente Snow
Stanley Tucci - Caesar Flickerman
Wes Bentley - Seneca Crane
Direção: Gary Ross
Produção: Jon Kilik, Nina Jacobson & Suzanne Collins
Roteiro: Suzanne Collins (autora do livro), Billy Ray & Gary Ross
Trilha sonora: James Newton Howard
2012 - EUA - 142 minutos - Aventura